A História de Sucesso de Hong Kong Está Chegando ao Fim?
O artigo de hoje é uma tradução do “Is Hong Kong’s Success Story Coming to an End?”, publicado originalmente em inglês pelos nossos amigos na Free Cities Foundation.
Já havíamos coberto o lado fiscal de Hong Kong em nossos artigos de Hong Kong vs Singapura e Hong Kong vs Delaware. Hoje, cobrimos um pouco mais da história e perspectivas futuras da liberdade nessa jurisdição. Aproveite a leitura!

O espantoso desenvolvimento de Hong Kong é um exemplo de como uma cidade-estado pode progredir de um começo simples com um sistema liberal clássico até uma prosperidade considerável e um tamanho enorme. Atribui-se o crescimento populacional (de 7.500 em 1843 para 1,7 milhão em 1945 para mais de 7,3 milhões em 2015) principalmente à imigração da República Popular da China. Para muitos chineses do continente, a colônia britânica foi um refúgio da Guerra Civil Chinesa e mais tarde da República Popular Comunista da China. Hoje, a qualidade e expectativa de vida, renda per capita e facilidade de negócios em Hong Kong estão entre as melhores do mundo.
Hong Kong esteve sob administração britânica de 1843 a 1997, mas conseguiu ganhar ampla autonomia, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Isso permitiu que sua liderança seguisse um curso muito diferente durante um período em que a economia planificada, o protecionismo e o keynesianismo eram muito populares no continente e em outros lugares. Hong Kong permitiu mercados livres, manteve os impostos baixos e não acumulou dívidas, construindo assim uma reserva equivalente a um orçamento anual. Isso permitiu altas taxas de crescimento que duraram décadas. Basicamente, foi apenas um pequeno grupo de funcionários coloniais ingleses que definiu esse curso. Eles foram assessorados por membros oficiais e não oficiais do Conselho Legislativo, estes últimos em sua maioria empresários chineses. Em 1959, o então governador Robert Black disse a este órgão que Hong Kong era provavelmente o único país remanescente no mundo com genuíno livre comércio, que estava orgulhoso disso e certo de que todos os presentes sentiram o mesmo. O objetivo era elevar o padrão de vida de todos por meio do pleno emprego e, assim, também integrar os muitos migrantes que chegavam da China.
O diretor financeiro de Hong Kong, John Cowperthwaite, derivou disso a doutrina do não-intervencionismo positivo, segundo a qual o governo interfere na economia apenas em casos muito excepcionais, como ao criar a base legal e a infraestrutura para facilitar o desenvolvimento baseado no mercado. Em contraste com a pátria britânica, Hong Kong permitiu mercados livres sem redistribuição e assim alcançou enorme sucesso. A comparação direta entre os dois sistemas é claramente favorável a Hong Kong, que superou o Reino Unido em todos os indicadores relevantes.
Cowperthwaite reconheceu:
A longo prazo, o conjunto de decisões de empresários individuais, exercendo julgamento individual em uma economia livre, mesmo que muitas vezes equivocadas, têm menos probabilidade de causar danos do que as decisões centralizadas de um governo; e o dano provavelmente também será neutralizado mais rapidamente.
Ele notou ainda que cada dólar que o governo tira do contribuinte poderia ter sido usado por ele para atender a uma necessidade ou aumentar seu bem-estar ou fazer um investimento. É graças à perseverança e independência intelectual de Cowperthwaite que esse caminho foi mantido mesmo em tempos de crise econômica. Mesmo em Hong Kong, não faltaram esforços para aumentar impostos, restringir importações, controlar preços e aumentar a atividade governamental.
Sobre o tema da participação política, o governador Grantham disse em seu discurso de despedida que os críticos muitas vezes ignoram o fato de que a democracia não é um fim em si mesma, mas apenas um meio para um fim, ou seja, garantir a liberdade individual. Ele concluiu que Hong Kong poderia não ser democrático, mas a liberdade estaria garantida e poucos lugares no mundo manifestariam tão bem o princípio orientador de "viva e deixar viver". Grantham acertou em cheio. Enquanto na época ele argumentava que a liberdade poderia existir (em casos excepcionais) mesmo sem democracia, hoje a questão deve ser feita se a liberdade econômica em particular pode de alguma forma sobreviver em sistemas democráticos. Tendo em vista a tendência da maioria em exigir intervenções estatais de todos os tipos, a garantia permanente de um sistema de laissez-faire baseado no modelo de Hong Kong não parece possível nas democracias. Se mesmo um importante membro do governo como Cowperthwaite só foi capaz de evitar todos os possíveis pedidos de intervenção em um sistema não democrático apenas com enorme esforço, então provavelmente não há esperança de ocorrer o mesmo em uma democracia. Um Cowperthwaite seria simplesmente afastado do cargo; um defensor da não interferência, ou seja, de inação, está perdido na batalha política por votos.
Isto ocorre mesmo que sua abordagem comprovadamente beneficie o eleitorado. Uma ordem social que cresce 5% ao ano, mas tem uma taxa de gastos do governo de apenas 20% (de todo o PIB), inicialmente gasta menos com cada indivíduo do que um sistema que tem o dobro da taxa de gastos do governo, mas uma taxa de crescimento de apenas 2% ao ano. Após 24 anos, no entanto, ambas as sociedades já teriam gasto a mesma quantia por cidadão em números absolutos e, após 48 anos, o sistema mais enxuto, mas de crescimento mais rápido, poderia até dobrar a quantia para cada indivíduo, apesar de utilizar uma cota governamental muito menor. Foi assim que aconteceu em Hong Kong, mas a maioria democrática não é tão paciente.

Diz-se que Deng Xiaoping, que iniciou a abertura da República Popular da China a uma economia de mercado e que é talvez um dos maiores reformadores chineses da história, usou Hong Kong como exemplo. Ele percebeu que o sistema econômico de Hong Kong estava obviamente funcionando, mas não o da República Popular. Isso dizia respeito, em particular, à existência de mercados livres e ao direito de adquirir propriedade privada, incluindo a propriedade dos meios de produção. Seguindo o exemplo de Hong Kong, zonas econômicas especiais foram estabelecidas em todo o país desde o início dos anos 1980, começando em Shenzhen. Estes provaram ser tão bem-sucedidos que foram expandidos cada vez mais e a China tem experimentado uma enorme recuperação econômica desde então. Finalmente, o sistema de livre mercado foi estendido a todo o país. Hoje, ninguém precisa passar fome na China, apesar de sua reputação anterior de fome e pobreza. Pode-se, portanto, argumentar que Hong Kong, por causa de sua função de modelo, mudou a China muito mais do que mudou a si mesma desde a aquisição política pela China em 1997.
Desde então, Hong Kong é uma Região Administrativa Especial (SAR) chinesa chefiada por um denominado Chefe do Executivo, mantendo uma economia de mercado, direito privado próprio baseado na lei inglesa, autoridades próprias, moeda própria e autonomia interna. Sob o princípio “Um País, Dois Sistemas” acordado entre a China e o Reino Unido em 1984, Hong Kong manterá sua autonomia política e econômica por pelo menos 50 anos após a aquisição. As exceções são política externa e questões de defesa. A este respeito, Hong Kong é certamente um modelo para a relação entre uma Cidade Livre e um Estado anfitrião.
O não intervencionismo, porém, já havia sido minado nos tempos britânicos após a saída de Cowperthwaite e com o aumento da participação parlamentar. Hoje Hong Kong tem salários mínimos, leis anti-discriminação, provisões obrigatórias para a velhice e uma tributação equivalente à dos países ocidentais. Os empresários relatam que partes do serviço público, que foram substituídos ou complementados pelos chineses do continente, agora estão suscetíveis à corrupção, o que antes era impensável.
Infelizmente, para pesar de muitos chineses de Hong Kong, nos últimos anos, o governo de Pequim interfere mais ou menos abertamente na política doméstica, chamando o tratado de 1984 entre o Reino Unido e a China de “documento histórico”, não mais vinculativo. Posteriormente, a possibilidade de oposição política, a participação em eleições e a liberdade de expressão e de imprensa legalmente garantidas são cada vez mais restritas. Ainda assim, Hong Kong é um dos lugares mais livres do mundo no que diz respeito à atividade econômica, mas muitos já saíram ou estão prestes a sair. Por causa disso, a tendência de longo prazo se inverteu e a população de Hong Kong agora está diminuindo. Alguns emigrantes organizaram-se e procuram uma nova casa. Isso poderia criar uma oportunidade para os projetos de Cidades Livres encontrarem residentes excepcionalmente qualificados em número suficiente. Em um futuro não muito distante, uma nova Hong Kong pode substituir a antiga.
Referências:
- https://en.wikipedia.org/wiki/Hong_Kong
- Monnery, Neil: Architect of Prosperity – Sir John Cowperthwaite and the Making of Hong Kong, London 2017, 123.
- https://en.wikipedia.org/wiki/Positive_non-interventionism
- Monnery 2017, 123.
- Official Report of Proceedings of the Hong Kong Legislative Counsel, March 24-25, 1966, 216.
- Monnery 2017, 200.
- Monnery 2017, 188ff., 252ff.
- Monnery 2017, 121.
- Essa já era a opinião de observadores contemporâneos: o jornalista de negócios Rabushka escreveu em 1973 que o modelo econômico de laissez-faire em Hong Kong só era possível porque não havia eleições, Monnery 2017, 296.
- Próprias conversas do autor.
- https://www.reuters.com/article/us-hongkong-anniversary-china-idUSKBN19L1J1
- https://edition.cnn.com/2022/08/12/asia/hong-kong-population-record-fall-covid-intl-hnk/index.html
- https://www.victoriaharbor.group